quarta-feira, 29 de abril de 2009

Quarteirização trabalhista em vista

Esta decisão reafirma a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Esta é uma excelente notícia. Embora o TST não tenha falado nada em quarterização esta decisão já aponta que o fenômeno está começando a aparecer nos tribunais. Contratar uma empresa para esta empresa contratar outra para fazer o serviço tem sido um ardil utilizado para impedir a responsabilização solidária e subsidiária. O Poder Público deveria dar o exemplo e não ser o exemplo. Se a finalidade da Administração Pública é o bem comum, que se faça concursos para ajudar o povo a ter um emprego seguro, digno e bem remunerado.
Degustem a maravilhosa decisão.
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Autarquia é responsável por terceirizado

O Tribunal Superior do Trabalho decidiu que as autarquias têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores terceirizados que exercem atividade semelhante aos demais empregados. O entendimento da 4ª Turma é o de que, nesses casos, a autoria seja considerada da tomadora de serviços e não “dona da obra” – categoria que exclui a contratante de obrigações com terceirizados.

No caso, a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) foi considerada tomadora dos serviços. Duas razões convenceram os ministros do TST. A primeira delas é a de que as atividades foram feitas nas dependências da Cosipa. Além disso, o terceirizado exercia atividades de manutenção. Com isso, a 4ª Turma responsabilizou subsidiariamente a empresa pelo pagamento de verbas deferidas a um supervisor contratado pela Pluridex Borrachas Ltda.

O ministro Fernando Eizo Ono, relator do Recurso de Revista, esclareceu que a Cosipa contratou a empresa Naldex Equipamentos Industriais Ltda., que, por sua vez, manteve contrato de prestação de serviços com a Pluridex, a empregadora do autor da ação. Por essa razão, a Justiça do Trabalho da 2ª Região (SP) havia excluído a Cosipa da reclamação trabalhista, por considerá-la apenas dona da obra.

Para o relator do TST, no entanto, a Cosipa não era dona da obra e, sim, tomadora de serviços. O ministro lembrou que o empregado trabalhou dentro da Cosipa, fazendo serviço de manutenção da empresa, em atividade-meio da companhia. Diante dessas condições, entendeu que a companhia responde de forma subsidiária pela dívida trabalhista e, ao pronunciar seu voto, o relator propôs a reforma da decisão de segunda instância. Foi foi seguido, por unanimidade, pelos outros integrantes da Turma.

HistóricoO trabalhador foi admitido, em março de 1995, e dispensado em abril de 1996. Ajuizou a reclamação logo a seguir, pleiteando horas extras, adicional noturno, horas de sobreaviso, adicional de insalubridade ou de periculosidade e salário in natura, entre outros. A 5ª Vara do Trabalho de Cubatão atendeu parcialmente o pedido, mas excluiu a Cosipa da ação. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a exclusão, por entender que o contrato celebrado com a Naldex não se referia à atividade-fim da Cosipa, que é a produção de chapas e bobinas de aço.

Para a 4ª Turma, porém, a decisão do TRT-SP contrariou a jurisprudência do TST, mais especificamente a Súmula nº 33. O inciso IV estabelece que o inadimplemento de obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. *Com informações da Assessoria do Tribunal Superior do Trabalho

RR-24353/2002-900-02-00.8

terça-feira, 28 de abril de 2009

Demissão coletiva - regulamentação já!

Estas demissões coletivas tem me deixado estarrecida. Imaginar o contexto social destas demissões em massa é algo doloroso. A demissão não é algo isolado, ao contrário é fenômeno sistêmico e que age em cascata, gerando desespero e penúria em toda uma família.
A perspectiva de retorno ao mercado de trabalho é quase inexistente, ainda mais quando estamos num´período de crise e no recuo de contratações.
O autor abaixo, num artigo simples, preciso e brilhante, trata da necessidade de uma regra para que as demissões ocorram. Até o mais resistente ao direito do trabalho concorda que uma demissão é diferente de demitir em massa, pelas consequencias.
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Demissões coletivas precisam de norma

A dispensa de 4,2 mil funcionários da Embraer alimentou o debate em relação à dispensa coletiva de trabalhadores. O sindicato da categoria solicitou a anulação das dispensas argumentando que não houve negociação. A empresa contra-argumentou alegando que agiu de acordo com a lei e que as demissões foram necessárias diante da crise econômica internacional. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou a despedida abusiva e condenou a empresa ao pagamento de uma indenização adicional, fundamentando a sentença na necessidade do empregador de agir com boa-fé objetiva, fornecendo as informações necessárias. O Tribunal Superior do Trabalho, contudo, concedeu efeito suspensivo ao Recurso Ordinário interposto pela Embraer, fundamentando a decisão no argumento de que a empresa observou as leis vigentes, e que, por falta de amparo legal, não procede o argumento do sindicato de que a empresa estava obrigada a negociar.

Fato é que as empresas não devem considerar que dispensar milhares de trabalhadores tem o mesmo efeito que dispensar apenas um deles. A demissão coletiva, por seus efeitos sociais, não deve ser tratada como um conjunto de demissões individuais. Embora não haja uma norma específica para a dispensa coletiva, as empresas têm uma responsabilidade social e devem agir com boa-fé além de respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores. O ordenamento jurídico não se restringe às normas positivas. Aplicam-se os princípios e as cláusulas gerais que estabelecem a função social do contrato, da propriedade e da empresa. Diante de dificuldades conjunturais ou estruturais é necessário buscar alternativas que atenuem o impacto social das demissões em massa. É preciso que as dispensas, quando inevitáveis, sejam realizadas segundo um planejamento pré-estabelecido e com critérios conhecidos pelos trabalhadores. O poder unilateral de demissão coletiva do empregador é limitado pelos direitos fundamentais dos trabalhadores e pela função social da empresa. Se de um lado está em jogo o direito patrimonial dos acionistas, do outro lado estão os direitos dos trabalhadores. Sendo assim é preciso negociar alternativas que, equilibradamente, componham os interesses das partes.

Por outro lado, os sindicatos não devem recusar-se a negociar. Como diz Eduardo Pragmácio em seu artigo Na era das negociações coletivas, a boa-fé é uma via de mão-dupla, ou seja, não se deve exigir a boa-fé apenas dos empregadores, mas também dos trabalhadores e de seus representantes. O quadro atual do sindicalismo no Brasil indica que esses organismos têm uma baixa representatividade o que nos faz pensar na possibilidade da negociação direta entre empregador e empregados quando, como no caso de demissão coletiva, houver interesses homogêneos envolvidos. Quando uma empresa está em dificuldades, talvez o melhor seja que uma comissão formada por representantes dos trabalhadores, do empregador e do sindicato busquem, em conjunto, a melhor solução.

Por tudo isso, percebe-se que a falta de regulação para a dispensa coletiva se faz sentir principalmente nos momentos críticos como estes que estamos vivendo. É preciso que os legisladores disponibilizem um instrumento para minimizar os efeitos sociais resultantes da eliminação de um grande número de postos de trabalho, que segundo nosso entendimento, deve estabelecer a obrigatoriedade das partes de agirem com boa-fé, de informar e negociar, de elaborar um plano com critérios conhecidos pelos trabalhadores, e da participação da representação dos trabalhadores na empresa e do sindicato nas negociações.

A Justiça do Trabalho tem, neste caso, a oportunidade de criar jurisprudência sobre o assunto, o que dá ao caso Embraer uma singular importância. A nosso ver, esta decisão deve impulsionar a regulação das demissões coletivas, com a valorização da função social e efetivação dos direitos fundamentais. Entendo que é preciso estabelecer a consciência de que demissões em massa devem ser executadas após um criterioso processo de análise e negociação dos direitos das partes envolvidas e não de forma a salvaguardar apenas os interesses dos acionistas ou sócios do negócio. A argumentação de eventual insegurança jurídica originada por decisões não fundamentas em disposições legais é questionável, uma vez que, quando o interesse coletivo está em jogo, o magistrado pode fazer uso dos princípios, das cláusulas gerais e até do direito comparado, como aliás, estabelece o artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Crise econômica e acontecimentos

Este ano tem sido um tanto quanto tormentoso: crise econômica, corrida presidencial, briga de ministros do supremo e a gripe suína! Como sou mineira de nascimento não posso resistir a comentar que o mineiro, adorador da carne suína, vai sofrer se a tal pandemia chegar pelas bandas de terra "brasilis".
As instituições estão mesmo ruindo. É lamentável ver o pouco caso dos ministros brigando como meninos, discutindo e trocando insultos quando milhares esperam suas decisões apostando seus futuros. As divergências de ordem pessoal tem hora e local! Não que eu seja simpática ao Min. Gilmar Mendes e, para ser sincera adorei ver alguém enfrentá-lo. Entretanto, não pode ser correta a atitude do Min. Joaquim Barbosa, talvez em busca de simpatia pública, quem sabe... Respeito ambos os ministros pelas suas envergaduras de vida, mas preferia um Supremo mais ameno, mais sereno, mais contido, mais sério.
Neste momento de crise, nada melhor que reafirmar a força e o papel das instituições e não demonstrar sua fragilidade e ruína. Vamos nos unir para superar a crise! Concordo com a autora do texto abaixo!
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Três polos devem unir forças para saírem da crise

As recentes notícias da economia brasileira refletem seu desaquecimento: demissões em massa, suspensão de contratos de trabalho para realização de cursos e programas de aperfeiçoamento, férias coletivas, planos de demissão voluntária, licenças remuneradas, índice de desemprego em expansão.

De um lado, o empresariado busca de qualquer forma reduzir custos para diminuir os prejuízos causados pela queda da demanda por produtos e serviços e pela crise econômica mundial.

De outro lado, os trabalhadores tentam salvar seus empregos, submetendo-se, inclusive à redução da jornada de trabalho que, consequentemente, acarreta a diminuição de seus salários.
Intermediando os dois lados, o governo trabalha reduzindo a carga tributária de produtos, de pessoas físicas e de pessoas jurídicas, concedendo crédito para empresas e para financiamento da casa própria, dentre outras medidas necessárias ao aquecimento da economia.

Em meio a esse cenário, a concertação social surge como um instituto que pode ser muito útil para o país enfrentar os efeitos do desaquecimento da economia e da crise mundial.

A concertação social é estudada principalmente no Direito Coletivo do Trabalho e nas Ciências Sociais. Trata-se de um acordo que envolve três pólos: governo, trabalhadores e empregadores, sobre matérias de natureza econômica e social. Esse acordo deve versar sobre o interesse geral da sociedade, portanto está acima de interesses coletivos.

No Brasil ocorreram duas experiências fracassadas de concertação social. A primeira teve início na década de 80 com o governo Sarney que conclamou a Central Única dos Trabalhadores, a Confederação Geral dos Trabalhadores e outros setores da sociedade para enfrentarem a inflação. A outra experiência foi com as chamadas câmaras setoriais que tiveram funções institucionalmente voltadas para objetivos de política industrial.

Os pólos envolvidos na concertação não são obrigados a seguir nenhum procedimento para chegar-se a um consenso sobre determinado assunto. Basta que as discussões sejam elaboradas e as soluções escolhidas consensualmente por eles sejam implementadas.

Importante ressaltar que o governo não atuará como um mediador das discussões entre trabalhadores e empregadores, mas sim como mais um pólo que concorrerá para o apontamento de soluções e medidas a serem concretizadas.

Nesse contexto de crise da economia, os três pólos acima definidos devem unir forças para buscarem uma saída diante da atual situação. Temos legislação em vigor que pode ser utilizada como, por exemplo, a suspensão dos contratos de trabalho através do artigo 476-A e parágrafos da CLT; concessão de férias coletivas conforme artigos 139 a 141 da CLT; plano de demissão voluntária prevista na súmula 215 do Superior Tribunal de Justiça, orientações jurisprudenciais 207 e 270 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho; licença remunerada de acordo com o artigo 133, § 3º da CLT; redução de salário conforme artigo 7º, inciso VI da Constituição Federal; compensação de horários e redução de jornada conforme artigo 7º, inciso XIII da Constituição Federal; banco de horas instituído pela lei 9.601/98; terceirização de serviços prevista na súmula 331 do TST.

Destarte, o início de uma concertação social no Brasil poderá resultar em medidas que sejam vantajosas para toda a sociedade, e não apenas para um determinado segmento dela.

Por fim, ressalta-se que o instituto aqui analisado é um importante instrumento de fortalecimento da democracia. A saída para a presente crise econômica pode ser apontada, portanto, de forma democrática, através da concertação social.
Sônia Mascaro Nascimento é consultora jurídico-trabalhista, advogada, titular do escritório Sônia Mascaro Nascimento Consultoria e Advocacia Trabalhista, conselheira e presidente da Comissão de Defesa da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, Diretora do Núcleo Mascaro Desenvolvimento Cultural e Treinamento - Trabalhista, mestre e doutora em Direito do Trabalho pela USP.

domingo, 26 de abril de 2009

TEXTO A SER UTILIZADO NAS AULAS (ABRIL E MAIO)


As centrais sindicais na ordem jurídica brasileira
Texto extraído do Jus Navigandihttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12707

Henrique da Silva LouroAdvogado no Rio de Janeiro. Ex-professor da Universidade Federal Fluminense. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho.

Resumo: Este artigo pretende analisar se existe compatibilidade entre as Centrais Sindicais, regulamentada pela Lei n.º 11.648/08, e o ordenamento jurídico brasileiro, em especial com a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho, que tratam do sistema confederativo de representação sindical. Assim, após explicar as suas principais características, bem como da estrura sindical hoje estabelecida no País, a conclusão deste trabalho seguiu pela plena possibilidade de inserção das Centrais Sindicais no ordenamento jurídico.

Abstract: This article aims to examine whether there is compatibility between the labor unions, regulated by Law No. 11648/08, and the Brazilian legal system, especially with the Federal Constitution and the Consolidation of Labor Laws, which deal with the confederal system of union representation. Thus, after explaining its main features, and the union today structure established in the country, the conclusion of this work followed by the possibility of full integration of labor unions in the legal system.

Palavras-chave: Centrais Sindicais – ordem jurídica – compatibilidade
Keywords: labor unions - legal - compatibility

1.Introdução
A Lei 11.648, de 31 de março de 2008, introduziu em nossa estrutura sindical a figura das Centrais Sindicais, que anteriormente só existiam no plano institucional através de algumas entidades conhecidas pela sociedade, tais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, CONLUTAS (Coordenção Geral de Lutas), USB (União Sindical Brasileira) e outras de menor expressão.

Com efeito, a Lei n.º 11.648/08 marca uma importante mudança do sistema sindical brasileiro, eis que as Centrais Sindicais que atinjam os critérios de representatividade passarão a ocupar um espaço importante de diálogo social, como na indicação de integrantes de alguns Órgãos públicos ou Fóruns Tripartites, que estejam discutindo questões de interesse geral dos trabalhadores, a teor do seu art. 2º.

O presente artigo possui como objetivo analisar algumas questões deste novel diploma normativo, como a sua compatibilidade com a ordem jurídica nacional, que dispõe sobre o sistema sindical brasileiro, e se existe alguma sobreposição das Centrais Sindicais com as demais entidades de representação dos trabalhadores.

Tais questões são polêmicas e serão adiante analisadas, visando contribuir com o debate jurídico sobre este novo cenário sindical brasileiro que foi trazido pela Lei n.º 11.648/08.

2.Da inserção das Centrais Sindicias no ordenamento jurídico brasileiro. Principais características trazidas pela Lei n.º 11.648/08

As Centrais Sindicais, que também denominadas de uniões ou confederações de trabalhadores, são consideradas entidades de cúpula, pois se situam no topo da estrutura sindical, acima dos sindicatos, das federações e confederações de trabalhadores.

Assim, as Centrais Sindiciais representam outras entidades sindiciais (e não trabalhadores isoladamente), que a ela se filiam espontâneamente. São consideradas entidades intercategoriais, pois abraçam categoriais profissionais distintas.

O surgimento desta entidade como órgão de cúpula foi explicado por ZANGRANADO (2009, p.4), nos seguintes termos:

O ambiente político propício, além do fenômeno inflacionário, a estagnação da economia trouxeram a necessidade de uma luta efetiva e constante para a recomposição das perdas salariais e demais direitos dos trabalhadores. Isso não poderia acontecer sem uma organização central, coordenativas dos esforçoes de das entidades sindicais de primeiro grau. Por tudo isso, e algo mais, as centrais sindicais se estabeleceram e cresceram em importância (...)

Houve diversas tentativas de disciplinar esta entidade [01], sem sucesso. No entanto, somente com o advento da Lei 11.648/08 que esta entidade foi finalmente foi regulamentada, introduzindo requisitos de representatividade para lhes conferir legitimação.

Os requisitos de representatividade das Centrais Sindicais estão previstos no art. 2º da Lei 11.648/08, e se referem, entre outros, ao número de entidades sindicais filiadas, às regiões do País onde atuam estas entes e às categorias econômicas defendidas.

Desse modo, é provável que algumas das Centrais Sindicais formadas antes da Lei n.º 11.648/08, que não consigam atender aos requisitos legais ali insertos, terminem por perder espaço no cenário sindical brasileiro.

Como mencionado por NASCIMENTO (2008, p. 89), a redução do número de Centrais Sindicais foi justamente um dos objetivos da lei:

A exposição de motivos mostra que a nova lei resultou do entendimento entre Governo e trabalhadores para corrigir o elevado número de entidades que se apresentavam como tal sem prerrogativas e atribuições definidas.

Reconhecida a sua representatividade, as centrais sindicais passam a possuir duas prerrogativas, que são a de coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social, nos quais se discutam questões afetas aos interesses gerais dos trabalhadores.

Por este motivo, DELGADO (2008) afirmou que as centrais sindicais "constituem, do ponto de vista social, político e ideológico, entidades líderes do movimento sindical, que atuam e influenciam em toda pirâmide regulada pela ordem jurídica."

Diante das prerrogativas que a lei conferiu às centrais sindicais, interessa saber se existe uma sobreposição de atribuições com os orgãos sindicais existentes, bem como se existe alguma incompatibilidade deste novo diploma com a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho.

3. A ESTRUTURA DO sistema sindical brasileiro. COMPATIBILIDADE com as centrais sindicais.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 8º, caput, considera livre a associação sindical, e em seu inciso I vedou a interferência do Poder Público em sua organização.
O direito à livre associação sindical é uma espécie autônoma do princípio da liberdade de associação, previsto no art. 5º, inciso XVII da Constituição Federal. Possui um amplo escopo, pois contempla, entre outros, a liberdade de constituição de sindicato, a liberdade de inscrição, direito de auto-organização e auto-extinção e direito ao exercício da atividade profisisonal da empresa.
Por sua vez, a teor do art. 8º, inciso II do nossa Carta Constitucional, o legislador constituinte repetiu a escolha pelo princípio da unicidade sindical [02], que veda a criação de mais de uma organização sindical, de categorial profissional ou econômica, na mesma base territorial, não inferior a um Município.
DELGADO (2002, p. 1307) realiza uma importante definição do princípio da unicidade sindical:
A unicidade corresponde à previsão normativa obrigatória de existência de um único sindicato representativo dos correspondentes obreiros, seja por empresa, seja por profissão, por categoria profissional ou ramo empresarial de atividades. Trata-se de imposição legal imperativa do tipo de sindicato passível de organização na sociedade, vedando-se a existência de entidades sindicais concorrentes com outros tipos sindicais. É, em síntese, o sistema de sindicato único, com monopólio de representação sindical dos sujeitos trabalhistas.
De acordo com o princípio da unicidade sindical adotado pelo Brasil, a nossa estrutura sindical foi organizada de forma ascendente: sindicato → federação → confederação, sendo as duas últimas consideradas como associações de grau superior, conforme teor do art. 533 da Consolidação das Leis do Trabalho [03].

Assim, temos que o Brasil adotou o princípio da unicidade sindical em nível conferativo, que inicia dos sindicatos e se estende até às confederações.

Existe uma cizânia doutrinária a respeito da compatibilidade das centrais sindicais com o ordem jurídica nacional. Dentre os motivos utilizados, um dos principais seria que a incompatibilidade deste órgão sindical com o princípio da unicidade sindical adotado pela Constituição da República.

Nesse sentido, vale transcrever as lições de NASCIMENTO (2008, p. 261/262):

Há doutrinadores que entendem que não há espaço para as centrais sindicais em nosso ordenamento jurídico, diante da inadimissibilidade de pluralismo sindical, sendo essa a posição, entre outros, de Eduardo Gabriel Saad, em "Constituição e direito do trabalho" (1989).

Outros sustentam que as centrais não integram o sistema confederativo (...).

Somente para ressaltar a polêmica existente, salientamos que foram ajuizadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – n.ºs 3.761 e 3.762 - perante o Supremo Tribunal Federal, quando se tentou regulamentar a questão das Centrais Sindicais através da Medida Provisória 293/2006 [04].

Dentre as questões levantadas nestas ADIN´s, alega-se que a Consituição Federal de 1988, ao regulamentar o art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, não faz alusão às Centrais Sindicais. Assim, inseri-la no ápice da pirâmide sindical, seria afrontar à opção do legislador constituinte de 1988, sendo um ato dotado de manifesta inconstitucionalidade.

Embora não tenham logrado êxito perante o Supremo Tribunal Federal, por questões não diretamente relacionadas com o presente parecer, essas ADIN´s demonstram que a aceitação das Centrais Sindicais no nosso ordenamento está longe de ser um tema pacífico.

No entanto, entendemos que a presença das Centrais Sindicais no topo da pirâmide sindical não ofende à Constituição Federal, muito menos ocasiona uma sobreposição com as confederações ou federações sindicais, ou ofende o princípio da unicidade sindical.

Isso poque as confederações são organizações sindicais de grau mais elevado de determinada categoria, sendo formadas por no mínimo três federações, conforme determina o art. 535, CLT.

Já as federações são situadas abaixo das confederações e acima dos sindicatos. São organizações sindicais de segundo grau e são consituídas por cada Estado e representam um grupo de atividades ou profissões conexas, similares ou idênticas. Possuem entre suas atribuições o de coordenar os interesses dos sindicatos a ele filiados.

Por sua vez, as Centrais Sindicais são orgãos de representação multicategoriais de âmbito nacional. Assim sendo, como as centrais sindicais englobam distintas categorias, afasta-se a questão da ofensa ao princípio da unicidade sindical.

Em outras palavras, o princípio da unicidade sindical é válido para os sindicatos, federações e confederações, mas não para as Centrais Sindicais, que englobam diversas categorias profissionais no seu mister.

Frise-se, entretanto, que existe uma relação muito próxima das Centrais Sindicais com os demais órgãos do sistema confederativo. Nos dizeres de NASCIMENTO (2008, p. 91):

Terceiro, a conexidade entre as Centrais e o sistema confederativo. Estamos convencidos que há uma vinculação estreita na pirâmide, apesar de sua construção gradativa. Não há como se negar a relação entre as Centrais e as organizações nem entre os trabalhadores sócios dos sindicatos no território nacional e as Centrais. Daí ser possível dizer que as Centrais são organizações conexas ao sistema confederativo, pela natureza, atribuição e finalidades.

Desse modo, as Centrais Sindicais não terão as mesmas atribuições dos sindicatos, das federações e confederações. Por exemplo, a responsabilidade pela realização de negociação coletiva continuará sendo dos sindicatos e, supletivamente, das federações e confederações, conforme art. 617, § 1º da CLT. As Centrais, como já mencionado, possuirão atribuições superiores, arrticulando ações de interesse geral dos trabalhadores.

Deve ser lembrado que, antes mesmo de sua regulamentação, diversos diplomas normativos já disciplinavam sobre a atuação das Centrais Sindicais nos órgãos públicos e fóruns tripartites nos quais se discutam questões de interesses gerais dos trabalhadores, como o art.3º, §3º da Lei 8.036/90; art. 3º, §2º da Lei 8.213/91; art. 18, §3º da Lei n.º 7.998/90.

E, apesar da Constituição Federal e a CLT tratarem do sistema confederativo, isso não impede a criação das centrais sindicais como órgão de cúpula, acima das confederações.

A propósito, AROUCA (2008, p. 1167) traz a seguinte observação sobre a possibilidade de criação das Centrais Sindicais:

A Constituição criou o sistema confederativo de representação sindical, acatando a solicitação das confederações patronais e de trabalhadores, unidas na luta pela sobrevivência, ameaçadas pelas centrais que pouco a pouco as supraram. O sucesso do grupo de pressão foi tamanho que conseguiu mais, além de referência ao sistema em lugar estranho, ou seja, no inciso IV do art. 8º que criava uma nova contribuição, a ressalva de ficar mantida a mais antiga, prevista em lei, ou seja, a sindical. Com isto, para muitos, do que foi recepcionado pela "velha" CLT, o sistema continuaria o mesmo, constituído pelos sindicatos de base, suas federações e as confederações de cúpula. No entanto, nada impedia que a lei colocasse as centrais no sistema como organzação horizontal, multicategorial e de nível nacional.

Por último, o princípio da liberdade sindical previsto no art. 8º, caput da Constituição Federal, que abrange tanto a criação como a autoextinção de entidades sindicais, como a prerrogativa de livre filiação e desfiliação, também serve como argumento para a criação das centrais sindicais e a sua aceitação .

À conta destes argumentos, podemos concluir que existe plena compatibilidade entre a Lei n.º 11.648/08, que instituiu as Centrais Sindicais com o ordenamento jurídico pátrio.

4. Conclusão

Como se demonstrou acima, a Lei n.º 11.648/08 regulamentou as centrais sindicais no ordenamento jurídico pátrio, reconhecendo como uma das suas atribuições a participação em órgãos públicos e fóruns tripartites que tratem de questões de relevo aos trabalhadores, se atingidos os critérios de legimitidade mencionados.

Em suma, as Centrais Sindicais constituem uma entidade sindical ímpar, atuando e influenciando toda a pirâmide sindical que tem sobre si. Seu interesse é estratégico, de propor políticas e ações coletivas em benefício geral dos trabalhadores.

A temática das Centrais Sindicais é muito rica, não sendo a pretensão deste artigo esgotar o assunto. O objetivo é bem mais simples, de analisar a compatibilidade com a estrutura sindical brasileira prevista no ordenamento jurídico, e se existe alguma sobreposição ou incompatibilidade com os demais organismos sindicais.

Nesse passo, podemos concluir que não existe qualquer incompatibilidade das centrais sindicais com a forma de organização sindical adota pelo Brasil, tampouco sobreposição com as confederações ou federações previstas no texto constitucional e na Consolidação das Leis do Trabalho.
REFERÊNCIAS
AUROCA. José Carlos. Centrais Sindicais – Autonomia e Unicidade. Revista da LTr, vol. 72, n.º 10, p. 1159-1171, out. 2008.
DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 3ª ed., São Paulo: LTr, 2008.
___________________________. Curso de Direito do Trabalho. 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: LTr, 2002.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 5ª ed.,São Paulo: 1997.
___________________________. A legalização das Centrais. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, São Paulo, ano XVI, n.º 16, p. 89-94, 2008.
ZANGRANADO. Carlos Henrique da Silva. Breves Considerações sobre a lei das Centrais Sindicais. Jornal Trabalhista Consulex, São Paulo, p. 4-7, fev. 2009.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em http://www.stf.jus.br: Acesso em 30/03/2009.
Notas
Recomenda-se, para este mister, a leitura do artigo "Centrais Sindicias – Autonomia e Unicidade’, do José Carlos Arouca (Revista LTr 72-10/1159).
Implantado no Brasil nos ditatoriais de 1930 até 1945, e mantido nas décadas seguintes.
Art. 533 - Constituem associações sindicais de grau superior as federações e confederações organizadas nos termos desta Lei.
A tentativa de regulamentação das Centrais Sindicais através da MP 293/06 está retratada no artigo "Centrais Sindicias – Autonomia e Unicidade", do José Carlos Arouca (Revista LTr 72-10/1159)
Como citar este texto:
LOURO, Henrique da Silva. As centrais sindicais na ordem jurídica brasileira . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2125, 26 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em:
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26 abr. 2009.

sábado, 25 de abril de 2009

Direitos trabalhistas são direitos fundamentais

Excelente artigo. Recomendo a leitura com calma. O autor discorre muito bem sobre os limites constitucionais da dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como óbice à precarização das condições de trabalho (flexibilização e desregulamentação).

Neste momento de crise é essencial jamais esquecermos que o trabalhador não é a causa, portanto não deve ser dele a única responsabilidade de resolver a crise. Se a crise é econômico-financeira, somente alterações econômico-financeiras poderão resolvê-la.


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Direito fundamental deve permear relação de trabalho
Por Euclides Di Dário

O ambiente onde se desenvolvem as relações de trabalho está em constante mutação. As evoluções tecnológicas modificam as formas de produção e afetam as relações de trabalho. As circunstâncias sociais, econômicas e políticas também se alteram. A atuação do Estado tende a ser cada vez menos intervencionista com as idéias do neoliberalismo. O Direito do Trabalho está sempre inacabado e em permanente processo de reconstrução.

Discute-se a flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho com o objetivo de adaptá-lo às novas circunstâncias da sociedade. As modificações da legislação, contudo, precisam ser limitadas a procedimentos que preservem a dignidade da pessoa humana, protegida pelos direitos fundamentais positivados pelos ordenamentos internos dos Estados os quais por sua vez, surgiram dos direitos humanos consagrados por declarações, entre elas a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Atualmente os Direitos Humanos são reconhecidos por um grande número de nações, contudo o desafio maior é torná-los efetivos.

Originalmente os direitos fundamentais foram concebidos com o objetivo de limitar a ação do Estado em face do cidadão, o que costuma ser denominado como eficácia vertical dos direitos fundamentais. A doutrina passou a estudar também a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, configurando-se então a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Nas relações de trabalho os direitos fundamentais têm especial importância devido à desigualdade das partes. Nosso objetivo neste artigo é estudar a aplicação dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.

Direitos Fundamentais
As declarações de direitos promoveram o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. Esse reconhecimento é historicamente recente e configura um movimento de reconquista de valores perdidos quando a sociedade se dividiu em proprietários e não proprietários. José Afonso da Silva explica que “o homem, então, além dos empecilhos da natureza, viu-se diante de opressões sociais e políticas, e sua história não é senão a história das lutas para delas se libertar”.[1]

Antônio Augusto Cançado Trindade ressalta, por sua vez, que a história os direitos humanos está associada à história da civilização: “A idéia dos direitos humanos é, assim, tão antiga como a própria história das civilizações, tendo logo se manifestado, em distintas culturas e em momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana, na luta contra todas as formas de dominação e exclusão e opressão, e em prol da salvaguarda contra o despotismo e a arbitrariedade, e na asserção da participação na vida comunitária e do princípio de legitimidade”.[2]

As lutas contra os governos autoritários do século XVIII deram origem ao surgimento do Estado de Direito, que estabeleceu o poder das leis ao invés do poder dos governantes. Os ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito passaram então a positivar os direitos humanos que eram naturais do homem, surgindo assim os direitos fundamentais.

José Afonso da Silva ensina que é possível identificar certos caracteres nos direitos fundamentais, tais como: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade[3]. Segundo o autor os direitos fundamentais nascem e modificam-se com o decorrer do tempo, são intransferíveis e não podem ser renunciados. Essas características afastam a possibilidade de redução de direitos fundamentais nas relações privadas, mesmo que sejam acordadas em consonância com a vontade das partes. Daniel Sarmento ressalta que “a vontade do titular do direito deve ser autenticamente livre e a renúncia do exercício não pode importar em lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana, nem ao núcleo essencial dos direitos fundamentais do indivíduo”.[4]

A teoria constitucional divide os direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos a prestações. Os primeiros constituem um dever de não ingerência na esfera privada, enquanto os últimos importam em intervenção do Estado, ou seja, o dever de fornecer determinada prestação. A dogmática discute a capacidade dos direitos fundamentais criarem direitos subjetivos para os particulares contra o Estado, criando assim, a possibilidade do titular de direito dispor de pretensões por parte do Estado. Em se tratando de direitos a prestações, a sua efetivação normalmente é também dependente de outros fatores, como por exemplo, a disponibilidade de recursos orçamentários. Isto significa que nem sempre direitos fundamentais criam direitos subjetivos.

[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p.150
[2] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto
[3] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Ed. Malheiros. 2006
[4] SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil In: BARROSO, Luís Roberto (org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 193-284.

Os indivíduos são titulares de direitos fundamentais e esses direitos incidem nas relações do cidadão com o Estado. Os direitos fundamentais podem ser lesionados ou ameaçados também nas relações privadas. É preciso então, conciliar a tutela efetiva dos direitos fundamentais, de um lado e a proteção da autonomia privada do indivíduo de outro.

Eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas
Os direitos fundamentais nasceram como limites do poder do Estado e conseqüentemente passaram a vincular o Estado ao cidadão. Há os que contestam a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas argumentando que o objetivo foi proteger os cidadãos dos abusos do Estado. Em relação a esse argumento entendemos que o Estado foi identificado à época como o maior agressor dos direitos naturais do homem. Hoje, contudo, temos a noção que não só o Estado representa uma ameaça aos direitos fundamentais, mas também outras instituições privadas e nesse caso nada mais natural que exigir respeito aos direitos fundamentais de todos aqueles que possam vir a ameaçá-los.

Outro argumento é que sua aplicação desses direitos nas relações privadas fere a autonomia privada já sujeita a outras leis do Direito Privado. A vinculação dos privados, contudo fica clara quando observamos que a observância dos direitos fundamentais é uma necessidade do Estado Democrático de Direito e caso entre nas relações privadas não houvesse a observância dos direitos fundamentais isso poderia gerar a obrigação do Estado de agir para garantir sua efetividade. Como exemplo, podemos pensar no direito de propriedade. O proprietário tem autonomia da vontade, liberdade individual e liberdade de usufruir seu bem como melhor lhe aprouver, contudo deve respeitar a função social da propriedade, ou seja, não pode decidir pela sua não utilização, sob pena de ter seu direito de usufruir o bem restrito.

Segundo Marthius Sávio Cavalcante Lobato “a exclusão dos direitos humanos fundamentais nas relações privadas acarretaria uma cisão na ordem jurídica, na medida em que não há razão para que se faça diferenciação entre a aplicação destes direitos, já que o que ser está a proteger é a dignidade da pessoa humana, com bem maior a se proteger”.[1]

A aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas tem como antecedente histórico o julgamento do Caso Lüth em 1958. Erich Lüth, Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo boicotou a exibição de um filme produzido por Veit Harlan. Em 1ª. Instância o Tribunal Estadual de Hamburgo condenou o boicote, fundamentando a decisão no artigo 826 da Norma Substantiva da Alemanha, que obrigava o causador de danos a compensar o dano. Contudo em fase de recurso a Corte Constitucional Alemã reformou a decisão justificando que a sentença desrespeitou do direito de opinião de Erich Lüch.

No Brasil a análise da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas teve início com as teses de doutorado de Daniel Sarmento e Wilson Steinmetz (ambas de 2.003). Eles

[1] LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante Lobato. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2006
aprofundaram a análise no sentido de equacionar a subjetividade dos conceitos envolvidos. Daniel Sarmento contribuiu com a idéia de que intensidade da proteção deve ser tanto maior quanto maior for a desigualdade fática dos envolvidos.[1] Steinmetz, por sua vez, contribuiu com o estabelecimento de um critério para sopesar os direitos no caso concreto utilizando o princípio da proporcionalidade de dá prevalência em “prima face” ao direito fundamental quanto há desigualdade entre as partes.[2]

Analisando a obra de Steinmetz, o Professor Virgilio Afonso da Silva argumenta que a utilização do princípio da proporcionalidade na prevalência dos direitos exigiria a análise de necessidade: “exigir a obediência à regra da necessidade não é uma forma de solução da colisão entre direito fundamental e autonomia privada, já que essa autonomia estará necessariamente comprometida pelas próprias exigências dessa regra. Se aos particulares não resta outra solução que não a adoção das medidas estritamente necessárias, não se pode mais falar em autonomia”.[3]

Os direitos fundamentais e as relações de trabalho
A aplicação dos direitos humanos fundamentais nas relações privadas está presente nas relações de trabalho, onde existe desigualdade entre as partes. Empregado e empregador pactuam um contrato individual de trabalho, mas devido ao maior poder econômico do empregador o empregado adere às clausulas contratuais, que estão limitadas pelos direitos constitucionais dos trabalhadores. O trabalhador é titular de direitos fundamentais, entre eles o direito à segurança, à saúde, à informação, à intimidade e à privacidade. A Professora Adriana Calvo estudou o conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho e concluiu: “A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os direitos de personalidade. Contudo, não é nenhuma ameaça ao empregado impedi-lo de usar meios da empresa em benefício próprio ou em prejuízo da empresa. Os valores pessoais devem prevalecer sobre os valores materiais (dignidade da pessoa humana x prejuízo no furto de mercadorias na revista íntima). A dignidade da pessoa humana deve ser afirmada como valor supremo”.[4]

Os direitos fundamentais irradiam-se também no direito coletivo. As negociações coletivas não podem desconsiderar direitos constitucionais sob o argumento que representam a vontade das partes ou que evitam mal maior, mesmo em situações de crise. O mercado de trabalho vive a constante modificação diante das transformações nas relações de emprego causadas pelas evoluções tecnológicas e da necessidade de gerar e proteger postos de trabalho, mas isso não significa que os direitos dos trabalhadores sejam renunciáveis ou que o Direito do Trabalho deve resolver os problemas econômicos do país.

[1] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.303
[2] STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004,p.224
[3] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Revista Direito gv 1, V. 1 N. 1 P. 173 – 180, 2005.
[4] CALVO, Adriana. Artigo: O conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. São Paulo: Revista LTr.73-01/70, Jan 2009.

Discute-se a flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho. Os empregadores, normalmente nas situações de crise, buscam estabelecer acordos coletivos com os sindicatos dos empregados com o objetivo de reduzir o impacto das dificuldades para a empresa e para os trabalhadores. A desigualdade econômica entre empregador e empregados, contudo, continua existindo e também a função social da empresa.

O artigo 7º inciso XXVI da Constituição que reconhece a validade das negociações coletivas e fomenta a discussão sobre o incremento da participação dos atores sociais nas relações de emprego. Essa é sem dúvida uma tendência que precisa, contudo, ter uma regulação para igualar as partes nas negociações e proteger a parte economicamente mais fraca da manipulação pela parte mais forte. O respeito a direitos fundamentais do trabalhador, como por exemplo, o direito à informação, representa um limite à possibilidade de redução de direitos nas negociações pactuadas entre empregados e empregadores.

Os princípios da igualdade e da proporcionalidade e as relações de trabalho
O trabalho é um importante instrumento para a construção de uma vida digna e o princípio da igualdade tem fundamental importância no direto trabalhista. A igualdade é o valor básico do direito que os indivíduos têm de trabalhar e do direito à igual remuneração por trabalho igual. O princípio da igualdade não impede que existam regras diferentes para partes que se encontram em situações diferentes. O Direito atua de forma positiva quando produz regras que imputam direitos em favor de seus titulares, e atua de forma negativa através de normas que têm como objetivo proibir práticas lesivas aos indivíduos, como por exemplo, aquelas combatem a discriminação nas relações de trabalho. O tratamento desigual dos desiguais busca a igualdade de oportunidades.

A assimetria entre as partes está presente nas relações de trabalho e justifica a proteção aos direitos fundamentais. A proteção deverá ser maior para uma maior desigualdade entre as partes da relação privada.[1] Semelhante raciocínio se aplica a relações de ordem econômica onde maior proteção deverá ser dispensada a bens e valores essenciais para o ser humano, tais como salário, alimentação, saúde e moradia.

O empregador tem o poder diretivo que lhe permiti organizar, dirigir e fiscalizar a atividade econômica, contudo esse poder não é absoluto e está limitado pelos direitos fundamentais do empregado. O conflito deve ser resolvido com razoabilidade e proporcionalidade no caso concreto. Segundo Arion Sayão Romita as restrições a direitos fundamentais são admitidas quando apropriadas, exigíveis e aplicadas na justa medida. Romita conceitua o princípio da proporcionalidade como “princípio dos princípios, atua como ordenador do direito, ensejando a composição dos conflitos entre as normas constitucionais que consagram direitos fundamentais. É ele que proporciona uma “solução de compromisso”, pela qual se dá prevalência a um dos princípios em conflito, mas ajustado à hipótese concreta, sem, contudo, anular o outro (os outros), que será afetado, em parte mínima, respeitado o “núcleo essencial”, em que se aloja o respeito ao valor da dignidade da pessoa humana”.[2]

[1] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
[2] ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: Ed. LTR, 2007,p.197

Podemos encontrar outra manifestação do judiciário em recente acórdão de 22 de dezembro de 2008 (Acórdão SDC - 00002/2009-0 - Processo 20281200800002001 — Dissídio Coletivo de Greve). Trata-se de processo de demissão em massa de trabalhadores. A relatora Ivani Contini Bramante declarou “nula a demissão em massa, com fundamento nos artigos (artigo 1º, III e IV, artigo 5º, XIV, artigo 7º, XXVI, 8º, III e VI, CF). Concluiu a desembargadora: “Os fatos apurados nos autos revelam que os atos praticados pela empresa são ofensivos aos valores, princípios e regras constitucionais e legais, eis que descompromissados com a democracia na relação trabalho-capital, com os valores humanos fundamentais e com função social da empresa”.

Conclusão
Os trabalhadores são titulares de direitos fundamentais que podem ser suscitados contra o Estado ou nas relações privadas, entre elas as relações de trabalho.

A adequação do Direito do Trabalho às mudanças da sociedade é uma tendência e uma necessidade. As mudanças da legislação trabalhista e as negociações coletivas de trabalho devem, contudo, estar limitadas pelo respeito aos direitos fundamentais positivados em nossa Constituição.

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações do trabalho, segundo nosso entendimento, deverá ser estudada no caso concreto com o objetivo de maximizar a efetividade dos direitos, com base na razoabilidade e no princípio da proporcionalidade e diante da subjetividade do assunto temos que nos questionar se estamos seguindo o objetivo maior do nosso ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana.

A vinculação dos particulares deve ser direta e imediata com o objetivo de eliminar a necessidade de outras normas para efetivação de direitos fundamentais. A sociedade brasileira sofre com a desigualdade social, com a distribuição de renda, com a informalidade, com o desemprego, e a vinculação indireta e mediata não seria a melhor escolha uma vez que abriria espaço para a omissão do Estado.

Bibliografia
BEBBER, Júlio César. Danos Extra-Patrimoniais (Estético, Biológico e Existencial) – Breves considerações. São Paulo: Revista LTr, Jan 2009.
CALVO, Adriana. O Conflito entre o Poder do Empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. São Paulo: Revista LTr, Jan 2009.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho. São Paulo: Revista LTr, Jun 2006
LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2006
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Crise econômica, despedimentos e alternativas para a manutenção dos empregos. São Paulo: Revista Ltr. 73-01/7, Jan 2009
PISCO, Cláudia de Abreu Lima. Dissídios Coletivos e Mútuo Consentimento – Análise da Constitucionalidade da Exigência.
ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007
SAAD, José Eduardo Duarte. Terceirização de Serviços e a Necessária elaboração de uma norma Legal. São Paulo: Revista LTr, Jan 2009
SANTOS, Enoque Ribeiro. Internacionalização dos direitos humanos trabalhistas: O advento da dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista LTr, Mar 2008.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2a. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001.
________, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Assédio moral e discriminação

Mais uma decisão sobre o assédio moral histórica do TST. Este empregado foi submetido a uma violência atroz. Veja a sutileza das coisas: ele chegou a ocupar os mais altos postos de trabalho, mas sempre foi alvo de humilhações e constrangimentos por sua orientação sexual. A caracterização do assédio como vertical decrescente (do superior para o inferior hierárquico) é muito comum; mas ainda existe o vertical crescente (do inferior hierárquico para o superior) e horizontal (assédio realizado por colegas sem presença de hierarquia.
O assédio moral é um problema jurídico, mas com consequencias sociais gravíssimas. Devemos combater todo tipo de assédio e discriminação no ambiente de trabalho.
Vamos aguardar o acórdão ser publicado.
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TST mantém condenação de banco por assédio moral

A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Banco Bradesco, condenado por assédio moral e pela dispensa discriminatória do gerente de agência Antonio Ferreira dos Santos devido a sua orientação sexual. O banco havia sido condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região a pagar indenização de R$ 200 mil por danos moral e material, além da remuneração em dobro do salário do empregado, desde a despedida até o trânsito em julgado da decisão.

O relator do caso, ministro José Simpliciano Fernandes, votou pelo não-conhecimento do recurso em todos os temas relativos à condenação, uma vez que o banco não conseguiu demonstrar as divergências jurisprudenciais e as violações de dispositivos legais necessárias ao seu exame.

Santos trabalhou por quase 20 anos no banco. Ele foi admitido em abril de 1985 pelo Banco do Estado da Bahia, sucedido em 2001 pelo Bradesco. Desde dezembro de 1996, foi gerente-geral de agências em Salvador até ser demitido por justa causa em fevereiro de 2004. Na reclamação trabalhista, pediu a reintegração ao emprego ou a correspondente indenização - pela dispensa “discriminatória, danosa e kafkiana”, segundo seu advogado - e também reparação pelos danos morais e materiais decorrentes do assédio ocorrido no emprego.

Em sua defesa, o Bradesco rejeitou a alegação de discriminação por orientação sexual, argumentando que o gerente trabalhou 19 anos na empresa e atingiu o posto mais elevado no âmbito das agências, o de gerente-geral. O motivo da justa causa teria sido o descumprimento de normas da sua política de crédito e a liberação de recursos “de forma incorreta, sem a devida análise, provocando irregularidades operacionais deveras relevantes”, com “operações acima da capacidade de pagamento dos tomadores”.

Na inicial da reclamação, o bancário relata diversos episódios para demonstrar a perseguição por parte do superintendente regional do Bradesco. O costume de decorar as agências com bolas coloridas no lançamento de novos produtos era classificado como “atitude de afeminado”. Em outra ocasião, o gerente alegou ter sido duramente ofendido pelo supervisor por ter encontrado o banheiro masculino fechado e, após pedir licença às colegas, ter utilizado o feminino.

As testemunhas que prestaram depoimentos à 24ª Vara do Trabalho de Salvador confirmaram que o gerente era alvo de assédio moral por parte do superior hierárquico, que na presença de subordinados e de pessoas estranhas, o chamava de "homossexual de modo mais chulo e rasteiro por atitudes ínfimas”.

A juíza de primeiro grau considerou que o banco não conseguiu provar os motivos da justa causa e condenou-o ao pagamento de indenização por danos moral e material no valor de R$ 916 mil. Por entender inviável a readmissão do empregado, converteu-a no pagamento em dobro dos salários desde o afastamento até o trânsito em julgado da ação, com base na Lei nº 9.029/1995, que proíbe a discriminação na relação de emprego e impede a dispensa discriminatória, concedendo ao empregado o direito de optar entre a readmissão ou o recebimento em dobro do período de afastamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

RR 1019/2004-024-05-00.8

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Empresa impedia empregado de estudar

Estamos mesmo em tempos difíceis para o trabalhador. Imaginar que uma empresa, em pleno século XXI, queira obrigar os funcionários a não estudar, impedí-los de crescer, de buscar novas oportunidades de trabalho e de vida, é algo realmente alarmante. O poder diretivo, neste caso, transforma-se em abuso de direito. O controle das atividades realizadas fora do local e horário de trabalho é abusivo, vexatório, humilhante e significa desrespeito ao patrimônio espiritual do obreiro.
Cobra-se muito que o empregado "vista a camisa da empresa", mas pouco ou quase nada lhe é dado como retribuição. O empregado deve sim lutar para que a empresa seja bem sucedida, mas nunca em prejuízo da sua dignidade e do seu futuro. A finalidade do Direito e, não só do Direito do Trabalho, é promover melhores condições de trabalho e de VIDA para TODOS.
Vejam a notícia da decisão abaixo.
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Dedicação exclusiva
Aché é condenada por impedir empregado de estudar

A política da Aché Laboratórios Farmacêuticos S/A de não permitir que seus empregados estudassem para que pudessem se dedicar, exclusivamente, a conhecimento de princípios ativos, propriedades e indicações dos medicamentos fez com que ela fosse condenada a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais a um ex-gerente da filial no Espírito Santo. A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve, por unanimidade, a condenação.

O ministro Ives Gandra Martins Filho afirmou que o empregador pode estabelecer o horário de trabalho e exigir do empregado que se comporte da maneira desejada durante este período. Mas qualquer exigência relativa à atividade do trabalhador após a jornada extrapola o exercício desse poder. “Ao impedir que o empregado estude ou faça qualquer coisa fora do horário de trabalho, e exigir que ele só se concentre na atividade laboral de modo a evitar que tenha a cabeça em outro lugar, fica caracterizado o constrangimento que impede o progresso decorrente da busca do conhecimento”, afirmou Ives Gandra Filho. O ministro afirmou que, devido a seu ineditismo, o caso constará de seu mapeamento de situações que caracterizam dano moral ao trabalhador.

O ministro Guilherme Caputo Bastos também afirmou tratar-se de “caso peculiaríssimo”, ao qual foi aplicado corretamente o artigo 186 do Código Civil, que prevê a reparação de danos causados a terceiro por aquele que, por ação ou omissão involuntária, negligência ou imprudência, comete ato ilícito.

A política vigorou na empresa até 2001, quando houve mudança na gerência do laboratório. Segundo o ex-gerente, que trabalhou na Aché de 1982 a 2001, a empresa nunca permitiu que a proibição fosse veiculada de “forma clara e transparente” entre seus funcionários, mas a norma era de conhecimento geral. O gerente afirma que se submeteu à proibição por dois motivos: em razão do próprio volume de serviço, que o impedia de ter outras atividades, e também porque abraçou a proposta de “vestir a camisa”, expressão comumente usada pela empresa para incentivar seus “homens de venda”. Até que foi surpreendido com a demissão sem justa causa sob o argumento de que “seu perfil se tornara incompatível com as necessidades da empresa”.

O juízo da 20ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro constatou, com base na prova testemunhal produzida, que os empregados do laboratório eram proibidos de estudar e que somente em 2001, com a renovação ocorrida na empresa, houve tal possibilidade. Para o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em se tratando de uma empresa de grande porte, o lema de que “a faculdade dos empregados era a Aché” fere o princípio da razoabilidade, já que quanto mais preparados fossem os trabalhadores, melhor seria o nível de produtividade a ser alcançado. *Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Superior do Trabalho.

RR 1707/2002-020-01-00.2

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Detector de mentiras: pode ser usado pelo empregador

Com todo respeito discordo. Entendo perfeitamente que as empresas aéreas americanas achem correto desrespeitar os direitos individuais porque vivem lutando contra o "terror", mas jamais aceitarei isto em terrae brasilis. Entretanto, em solo brasileiro não se pode admitir o uso de detectores de mentira, pois estes atentam contra a dignidade e moral do empregado. Se querem tratar o americano assim, que o tratem, mas o cidadão brasileiro não é um risco para a segurança, ainda mais porque não vivemos de sobressalto terrorista.
O constrangimento em passar por detector de mentiras é evidente. Primeiro porque não é permitido ao empregador entrar na esfera pessoal do empregado, segundo porque o método nem sequer tem precisão científica, terceiro porque este meio de obter a "verdade" não é aceito como meio de prova. Então, com que finalidade pode o empregador utilizar-se deste expediente? A finalidade é humilhar, constranger, perseguir e causar sofrimento psíquico ao obreiro. O empregador não é autoridade policial, não é dada à ele nem sequer a liberdade de fazer interrogatório, quanto mais submeter o obreiro ao vexame de detecção de mentira.
Como bem disse o brilhante Min. Maurício Godinho Delgado, se o detector de mentiras fosse necessário as outras companhias aéreas mundiais teriam adotado tal medida, o que não foi feito. Somente o delírio persecutório americano, oriundo de sua mania bélica e de invadir e "salvar" o mundo do terrorismo acha necessário tal medida.
Triste nosso país que se curva a modismos, que amplia o arbítrio no poder diretivo, que deveria ser interpretado restritivamente, uma vez que implica em controle do obreiro.
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Submeter empregado a detector de mentira não dá dano

Obrigar o empregado a usar o detector de mentiras não é uma ofensa que possa gerar danos morais. Esse é o entendimento da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que derrubou indenização de R$ 11.800 dada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) a um agente de segurança da companhia aérea American Airlines.

Para o relator do recurso, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, está claro que a adoção da medida decorre de recomendação do governo dos Estados Unidos às empresas aéreas norte-americanas após os atentados de 11 de setembro de 2001. O objetivo era reforçar a segurança, inclusive a do próprio trabalhador. Corrêa reconheceu que o trabalhador passou por situação constrangedora, mas afirmou que não há provas de que o uso do polígrafo tenha provocado efeito prático punitivo.

O relator afirmou que não discutiu a legalidade da utilização do sistema de detecção de mentiras, “cujas oscilações e aplicações no meio penal não são incondicionalmente aceitas com o fim de busca da verdade”, mas se sua utilização implica em ofensa à honra, à dignidade e à intimidade do trabalhador a ponto de gerar reparação por danos morais.

Para Corrêa, não há esta ofensa. “Inexistindo fatos incontroversos, inclusive sem qualquer notícia de que a dispensa tenha se dado por reprovação no referido teste, tem-se que resta apenas ao julgador verificar se houve abuso do poder diretivo do empregador, em razão da utilização do exercício regular de um direito que, no caso, é a defesa do seu patrimônio e da observância de normas aeroportuárias com o fim de preservação da integridade de todos que utilizam o sistema, inclusive o trabalhador”, afirmou.

O ministro acrescentou que a preocupação com segurança atualmente atinge todos que utilizam aeroportos e são submetidos a revistas e a detectores de metais, numa sucessão de constrangimentos. A decisão da 6ª Turma, entretanto, não foi unânime. O ministro Maurício Godinho Delgado discordou do relator, mas foi voto vencido. Para Godinho, a utilização do polígrafo extrapola o exercício do poder empregatício porque o sistema não é reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O ministro disse ainda que, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando o meio de prova não é lícito, a prova não vale. Godinho ressaltou ainda que o detector de mentiras é utilizado somente por empresas norte-americanas de aviação e que, se a medida fosse realmente indispensável, já teria sido adotada pelas companhias de aviação de outras nacionalidades. O ministro Horácio de Senna Pires acompanhou o voto do relator.

FuncionamentoO agente de segurança do aeroporto de Confins (MG) foi submetido ao exame do polígrafo antes de ser contratado e uma vez por ano. Ele diz que aceitou a prática, pois sabia que o teste era indispensável para a contratação e posterior permanência na empresa. Durante o teste, coloca-se um sensor em um dos braços da pessoa interrogada para medição do pulso e da pressão arterial. Um tubo flexível ajustado no tórax permite a observação da respiração. Dois eletrodos nas mãos ou braços medem as variações elétricas e um sensor de movimentos colocado nas pernas mede a contração involuntária dos músculos. Em seguida, o interrogatório é iniciado.

Na ação, o agente de segurança transcreveu as perguntas feitas ao longo dos interrogatórios. Entre elas: “Usa bebidas alcoólicas?; Usa narcóticos?; Vende ou já vendeu narcóticos?; Cometeu crime ou já foi preso?; Deve para alguém? Quem? Quanto?; Já roubou no local onde trabalha?; Com seu conhecimento, permitiu contrabando em alguma aeronave?; Permitiu que alguém violasse os procedimentos de segurança?; Transportou droga ilegal em um avião?; Intencionalmente permitiu que alguém viajasse com documentos falsos? Desde seu último teste, usou drogas ilegais?”. *Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Superior do Trabalho.
RR 317/2003-092-03-00.9

O Corte de Cana e o adicional de penosidade

Os trabalhadores do corte de cana de há muito sofrem em virtude da inércia governamental. Os legisladores parecem ignorar o trabalho pesaroso, desgastante e desumano ao qual o cortador de cana é exposto. Os noticiários denunciam, ano após ano, as mortes. Até mesmo a teledramaturgia brasileira imortalizou, na novela O Rei do Gado, o sofrimento através da cortadora de cana "Luana" interpretada pela atriz Patrícia Pilar.
A Constituição Federal de 1988 há mais de 20 anos previu o adicional de penosidade, mas este nunca foi regulamentado por inércia e omissão legislativa. O trabalhador parece ficar em segundo plano diante de tantos interesses outros.
O dia a dia de quem trabalha cortando cana é dos mais desgastantes física e emocionalmente. A temperatura ao ar livre, a exposição ao sol, o contato direto com a fumaça da queima da cana, o trabalho executado em pé, a ausência total de equipamentos de proteção coletiva e equipamentos de proteção individual, o valor ínfimo dado ao labor, o risco de acidentes pelo cansaço, as lesões por esforço repetitivo, a jornada de trabalho não controlada e absurda (de sol a sol), a exploração do trabalho infantil, a informalidade, enfim todos estes e demais fatores que transformam o trabalho no corte de cana em penoso.
Enquanto o legislador não dá o ar da graça e executa o que é sua função, o Judiciário deveria aplicar o adicional de periculosidade à estes trabalhadores ou até mesmo o de insalubridade. Afinal, saúde e segurança do obreiro é direito indisponível, irrenunciável, fundamental!
Segue um artigo sobre o tema, publicado no excelente portal Jus Navigandi.
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Cortadores de cana e o princípio da dignidade da pessoa humana

Marcel Thiago de Oliveira
advogado, mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

RESUMO

O presente estudo visa investigar o processo de trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar, relacionando a exigibilidade de alta produtividade pelos empregadores e a precarização das condições de trabalho, com o crescente número de doenças e mortes entre os obreiros. Objetiva indicar, através de sucinta análise histórica, como a inserção da cultura canavieira no modo de produção capitalista contribuiu para a necessidade de prolongamento da jornada e aceleração do ritmo de trabalho.

Por derradeiro, confronta a realidade dos bóias-frias com o princípio da dignidade da pessoa humana, guia-mestra da atual carta constitucional pátria, demonstrando que artifícios como o pagamento apurado em toneladas cortadas e por produção, obrigam os lavradores a trabalharem até o limite de suas forças, em condições desumanas.

PALAVRAS-CHAVE

Dignidade Da Pessoa Humana; Cortadores De Cana; Produtividade

ABSTRACT

This study aims to investigate the process of work in the plantations of sugar cane, listing the enforceability of high productivity by employers and precarious working conditions, with the growing number of illnesses and deaths among workers. Objective indicate yet through brief historical analysis, such as the insertion of culture employees in the plantations of sugar cane in the capitalist mode of production contributed to the need to extend the day of work and accelerating it.

Finally, confronts the reality of employees in the plantations of sugar cane with the principle of human dignity, tab-master of the current constitutional charter, demonstrating that tricks as the payment cleared tonnes and cut production, forces this employees to work on the limit for its forces, in inhumane conditions

KEYWORDS

Human Dignity Of Person; Employees In The Plantations Of Sugar Cane; Productivity.


1. CALVÁRIO NOS CANAVIAIS

Se é certo que a história do trabalho humano, excetuados alguns lampejos de humanidade na sociedade repressora, é uma história de terror, [01] o processo laboral e os padrões de desgaste e reprodução da força de trabalho empregados no corte da cana-de-açúcar são ainda mais assustadores.

Não bastasse a sujeição do cortador de cana-de-açúcar a toda sorte de intempéries (calor, risco de acidentes com foices, facões e animais peçonhentos, intoxicações por agrotóxicos, entre outros), a atividade submete-o a excessivas jornadas e a ritmos acelerados.

Tais trabalhadores se expõem, diariamente, a cargas laborais físicas, químicas, biológicas e biopsíquicas, que se traduzem em uma série de doenças, traumas ou acidentes a elas relacionadas, isto quando não desencadeiam o óbito.

Conforme minuciosa pesquisa de campo realizada por Neiry Primo Alessi e Vera Lucia Navarro, [02] a rotina extenuante do cortador de cana não se limita ao espaço tempo da produção, tendo ela início com a preparação para a jornada de trabalho, estendendo-se até após o labor, com a limpeza da casa, preparação da refeição, cuidados com o vestuário pessoal e da família, higiene pessoal etc., quando só então o trabalhador terá o descanso para repor as energias até o reinício da próxima jornada.

Inúmeras são as condições adversas do trabalho, a saber:

(i) não fornecimento dos equipamentos de proteção individual, demandando que o trabalhador os improvise, ou, quando disponibilizados, sua inadequação, vez que confeccionados, em geral, com material inadequado ou que não apresentam variáveis de tamanho, acabando por atrapalhar os movimentos necessários na operação de corte da cana e prejudicando a produtividade do trabalho;

(ii) transporte em caminhões e ônibus inapropriados, mal conservados e conduzidos por motoristas inexperientes, ou mesmo inabilitados, que trafegam acima de sua capacidade de transporte, com trabalhadores junto aos instrumentos cortantes, expondo-os a perigo;

(iii) ambiente de trabalho precário e insalubre, com elevadas temperaturas (em decorrência não só da ação solar, mas também da prática da queima da cana antes de seu corte) e exposição à poeira e à fuligem da cana queimada. Ainda, a ausência de instalações sanitárias, refeitórios e locais adequados de estocagem e condicionamento de marmitas e garrafas de água e café, além da inexistência de veículos e equipamentos de primeiros socorros; e

(iv) desrespeito aos direitos trabalhistas, que se dá com a não observância do intervalo para refeição e das pausas para relaxamento e alongamento, pagamento incorreto das horas in itinere, não discriminação no atestado de saúde ocupacional dos riscos da atividade dos rurícolas, intimidação e práticas anti-sindicais, dentre outros.


2. ALTA PRODUTIVIDADE, DOENÇAS E MORTICÍNIO

Em que pese seja ainda insuficiente, é possível vislumbrar nas últimas décadas uma crescente preocupação das Procuradorias e Delegacias Regionais do Trabalho, juntamente com movimentos sociais e sindicatos, com a fiscalização das atividades desenvolvidas nas lavouras. Não é por acaso.

No período de 2004 a 2007, ocorreram 21 mortes de trabalhadores rurais nos canaviais do interior paulista, sendo que em novembro de 2007, 30 cortadores de cana-de-açúcar foram hospitalizados após passarem mal durante o trabalho numa usina do município de Ibirarema/SP, cuja causa foi atribuída ao excesso de trabalho em alta temperatura. [03]

No ano anterior, um cortador de cana faleceu durante o trabalho, tendo o Ministério Público do Trabalho concluído que ele havia laborado durante 70 dias sem folga, tendo cortado, no dia anterior ao óbito, 17,4 toneladas de cana. [04]

Para entender as causas deste quadro é necessário investigar as mudanças do processo de trabalho dos bóias-frias na esteira das transformações agrárias e, mais amplamente, do modo de produção capitalista, que repercutiram negativamente nas condições de vida, trabalho e saúde do trabalhador rural.

Estas transformações ocorreram tanto no plano da produção (como o aumento e diversificação da produção, expansão da fronteira agrícola, emergência de novas formas de organização do trabalho, generalização do uso de insumos e de máquinas agrícolas, crescente uso das descobertas da engenharia genética, aumento da concentração da propriedade fundiária e da renda), quanto no das relações de trabalho (como a expulsão dos antigos colonos das propriedades agrícolas e a substituição das relações de trabalho como o colonato, meação e parceria por outras estritamente subordinadas ao capital, concomitante à propagação do trabalho assalariado, principalmente temporário). [05]

Sob a égide das relações capitalistas de produção, as culturas agrícolas comerciais, na impossibilidade de subsumirem a produção agrícola ao domínio completo do capital, passaram a recorrer amplamente ao uso dos processos de extensão da jornada de trabalho, intensificação do seu ritmo, pagamento por produção, decréscimo real do valor dos salários e descumprimento de direitos trabalhistas. O rurícola, então, rompeu com o tempo natural e passou a ser regido pelo tempo do capital ou, pelo tempo que é valor. [06]

O imperativo da maior produtividade como forma de manutenção do emprego é resultado de diversos fatores, a saber: aumento da mão-de-obra (por causa da mecanização, aumento do desemprego geral, expansão da fronteira agrícola com redução da agricultura familiar), seleção de trabalhadores com perfis mais adequados à atividade (homens, jovens, dotados de resistência física), contratação geralmente limitada ao período de safra e, principalmente, o pagamento por produção.

O pagamento feito ao trabalhador leva em consideração seu processo de trabalho, que consiste em cortar um retângulo (eito) com largura pré-determinada, em diversas linhas em que é plantada a cana, cujo comprimento é determinado pelo ritmo de trabalho e pela resistência física de cada trabalhador.

A remuneração é apurada a partir da conversão destes metros lineares em toneladas, sendo que o valor do metro de cana do eito depende do seu peso, que por sua vez varia em função de sua qualidade naquele espaço, que também depende de uma série de variáveis (tipo de cana, fertilidade do solo, sombreamento etc.), numa relação entre peso, valor e metragem cortada, não tendo o trabalhador controle sobre o resultado do seu próprio trabalho.

A forma de pagamento atrelada ao esforço físico despendido, leva o cortador de cana a trabalhar até o limite de suas forças numa jornada estafante em que corta, aproximadamente, 8 toneladas/dia (6 toneladas/dia, se mulher). Alguns trabalhadores, entretanto, conseguem atingir a marca das 14 toneladas/dia (10 toneladas/dia, se mulher).

Daí que, consoante o estudo de Neiry Primo Alessi e Vera Lucia Navarro,

"a exposição diária destes trabalhadores a cargas físicas, químicas e biológicas, culmina em uma série de doenças, traumas ou acidentes a elas relacionadas, tais como dermatites, conjuntivites, desidratação, cãibras, dispnéia, infecções respiratórias, oscilações da pressão arterial, ferimentos e outros acidentes (inclusive os de trajeto). Além destas cargas laborais, devemos destacar aquelas de caráter biopsíquicos, que configuram padrões de desgaste manifestos através de dores na coluna vertebral, dores torácicas, lombares, de cabeça e tensão nervosa (stress), além de outros tipos de manifestações psicossomáticas que podem se traduzir, principalmente, por quadros de úlcera, hipertensão e alcoolismo." [07]

Sem prejuízo, estas morbidades, associadas ao trabalho realizado de forma repetitiva e automática, exposição a condições climáticas adversas e longas jornadas, levam o trabalhador a diminuir seu limiar de atenção, ficando exposto a infortúnios, numa empreitada insana em direção à morte.


3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio fundante do Estado Democrático de Direito e um dos pilares estruturais da organização do Estado brasileiro (art. 1º, III).

Anterior e hierarquicamente superior, a dignidade da pessoa humana é mais que um direito fundamental, sendo a razão de existir do próprio Estado e das leis, a viga-mestra que imanta toda a Constituição, projetando-se sobre todo o ordenamento jurídico.

Para Ingo Wolgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana consiste na

"qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos." [08]

Immanuel Kant atribuiu a condição de valor ao atributo da dignidade humana ao conceber o homem como ser racional, existente como um fim, e não como um meio. Isto em razão de concebê-lo como dotado de um valor intrínseco, próprio da sua essência, superior a qualquer preço, [09] tornando-o impassível de manipulação, conferindo-lhe uma dignidade absoluta, objeto de respeito e proteção [10].

Há uma intima ligação entre o ente dignidade e o ente direitos fundamentais, [11] do que decorre que a dignidade da pessoa humana deve servir como limite e função do Estado e da sociedade, na medida em que ambos devem respeitar (função negativa) e promover (função positiva ou prestacional) a dignidade, manifestações essas sentidas pelo respeito e promoção dos direitos constitucionais da pessoa e do cidadão.

Emblemática a definição de Alexandre de Moraes, para o qual a dignidade da pessoa humana deve ser vista como a harmonização do aspecto histórico (sucessão de conquistas contra o absolutismo, seja pelo Estado ou pelo líder de uma comunidade), normativo (contra a injustiça), filosófico (respeito ao próximo ou a si mesmo, sem necessidade de sanção), direito individual protetivo (em relação ao próprio Estado ou a pessoa individualmente considerada) e como dever fundamental de tratamento igualitário. [12]

A Constituição Federal elenca em seu artigo 6º os direitos sociais, dentre os quais se situa o direito ao trabalho e, no art. 1º, estabelece os valores sociais do trabalho como um de seus fundamentos.

Com efeito, trata-se o trabalho de um dos componentes da condição de dignidade da pessoa. Visa promover o estado de bem viver, assegurando o sustento do trabalhador e de sua família, a saúde, o lazer e o progresso material.

Os direitos sociais, notadamente os relativos ao trabalho, demandam do Poder Público uma obrigação positiva, de atuação concreta, notadamente com a inclusão social do indivíduo, satisfazendo sua necessidade de subsistência, garantindo uma existência material mínima, direito público subjetivo da pessoa humana, em contraposição à obrigação estatal de satisfazer a necessidade ou interesse social ou econômico tutelados pelo Direito.

Não olvidar, ainda, que o art. 23, da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que

"toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social".

Contudo, a realidade demonstra, à saciedade, a ínfima valorização social do trabalho braçal e desqualificado dos bóias-frias, considerados mera peça de reposição na visão empresarial. Afiguram-se, destarte, à margem de qualquer prestação positiva por parte do Estado no sentido da efetiva proteção social e da promoção da dignidade humana.

Infere-se que as condições desumanas impostas aos cortadores de cana em seu ambiente de trabalho extrapolam o espaço da produção, na medida em que tolhe do indivíduo o tempo para suas demais atividades, o suporte financeiro para satisfazer suas necessidades e de sua família, e corrói sua saúde. Não bastasse, maculam sua subjetividade, esvaziando suas motivações, auto-estima, auto-imagem e honra, contribuindo para o seu colapso como ser humano.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inserida a cultura canavieira no modo de produção capitalista, impõe-se o uso de objetos, instrumentos e da força de trabalho assalariada em seu potencial máximo, visando a reprodução ampliada do capital. Ademais, por tratar-se apenas de uma etapa de um processo industrial severamente organizado, o trabalho no corte de cana é marcado por um ritmo acelerado, porquanto articulado com a demanda de matéria-prima para o mercado à jusante das indústrias de processamento do açúcar e do álcool, o que exige rigoroso preparo logístico.

Tanto a expansão do capitalismo na agricultura (que resultou na extinção das antigas relações de trabalho de forma a propagar o labor assalariado, que em última instância resulta em maiores exigências dos trabalhadores), como a forma de remuneração paga por produção e que se vale de cálculo complexo realizado pelo departamento técnico das usinas (a partir de diversas variáveis que fogem ao controle do trabalhador), implicam na alta produtividade dos cortadores de cana-de-açúcar, levados a trabalhar até a exaustão.

O trabalho excessivo para aumentar a produtividade, somado às suas características de repetição, monotonia e desgaste, e à péssima infra-estrutura nas lavouras e demais condições insalubres próprias da atividade, redundam na precarização da saúde e vida do obreiro, transpondo, por vezes, o limiar morbidade/mortalidade.

Outrossim, impossibilita o trabalhador de relacionar-se adequadamente com sua família, bem como não assegura a reposição das energias despendidas ao longo da jornada, além de impedir a socialização e a construção de uma identidade político-social que possibilite, inclusive, a mobilização para luta por direitos.

Cumprindo ao Estado garantir independência e autonomia ao ser humano, afastando qualquer atuação que iniba o seu desenvolvimento como pessoa ou imponha condições desumanas de vida, imperiosa a constatação de sua ineficiência para compor eficazmente os conflitos advindos da relação entre capital e trabalho, mostrando-se inapto a afastar o tratamento degradante e desumano dispensado aos cortadores de cana e sua condição de miserabilidade e indignidade.

Necessária, pois, a adoção de uma nova diretriz para as políticas públicas de desenvolvimento econômico e (re)inserção social dos bóias-frias, combinando a efetiva atuação estatal, principalmente fiscalizadora, com a mudança de paradigma das usinas, através do estabelecimento de condições mais dignas de compra da força de trabalho, notadamente com a substituição do pagamento por produção por uma remuneração mínima que garanta a subsistência do cortador de cana, além da substituição do pagamento apurado em toneladas para aquele com base em metros lineares cortados. Insta não olvidar, também, da necessidade de melhoria das condições do ambiente de trabalho.

Somente esta transformação das relações de trabalho na cultura canavieira terá o condão de minguar as excessivas, desumanas e fatais jornadas laborais, de forma a promover a dignidade da pessoa humana destes trabalhadores, atualmente aviltada pela exigência de alta produtividade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALESSI, Neiry Primo; NAVARRO, Vera Lucia. Saúde e trabalho rural: o caso dos trabalhadores da cultura canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Scielo. Disponível em: Acesso em: 05 dez 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29. ed. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2002.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de direito do trabalho. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, s.d.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.

SILVA, Renato Lopes Gomes da. Primeira pessoa – dignidade deve ser ponto de partida para interpretar o Direito. Consultor Jurídico. São Paulo, 29 mai 06. Disponível em: . Acesso em: 15 set.2007.


Notas

A própria palavra "trabalho" deriva do latim tripalium, que era uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 4). Trabalhar (tripaliare) nasceu com o significado de torturar ou fazer sofrer. (FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de direito do trabalho. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 1).
ALESSI, Neiry Primo; NAVARRO, Vera Lucia. Saúde e trabalho rural: o caso dos trabalhadores da cultura canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Scielo. Disponível em: Acesso em: 05 dez 2007.
Segundo a notícia, os migrantes, nas datas de 25, 26 e 29 de outubro deste ano, cortavam cana numa frente com 120 trabalhadores da usina Renascença, no município de Ibirarema (SP), quando começaram a sentir cãibra, tremedeira, sudorese, vômito, queda de pressão e desmaios, e tiveram que abandonar o corte e serem internados no Hospital Municipal de Ibirarema. Na ocasião, os auditores interditaram a frente de trabalho e autuaram a usina por "não paralisar as atividades de corte de cana quando as condições climáticas oferecerem riscos à segurança dos trabalhadores", em desrespeito à Norma Regulamentadora 31 que, comumente, apenas é cumprida pelas usinas quando chove, dada a impossibilidade de moer a cana. Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional do Trabalho da 23ªRegião. Cuiabá, 08 nov 2007. Disponível em: Acesso em: 05 dez 2007.
O trabalhador Juraci Barbosa, de 39 anos, faleceu na data de 29 de junho de 2006. No dia 28 de junho, segundo o Ministério Público do Trabalho, cortou 17,4 toneladas de cana, tendo, alguns dias antes, em 21 de abril, cortado 24,6 toneladas. (In: Ministério Público confirma: cortador de cana more em São Paulo por ter trabalhado 70 dias sem folga. Associação Brasileira de Reforma Agrária. 17 jul 2007. Disponível em: <>). Acesso em: 05 dez 2007.
ALESSI, Neiry Primo; NAVARRO, Vera Lucia. op. cit.
LAURELL, A. C. & NORIEGA, M. apud ALESSI, Neiry Primo; NAVARRO, Vera Lucia. op. cit.
Ibid.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2001. p. 60.
"No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.
direito à vida, à honra, à integridade física, à integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, são essencialmente tais, pois, sem eles, não se concretiza a dignidade humana. A cada pessoa não é conferido o poder de dispô-los, sob pena de reduzir sua condição humana; todas as demais pessoas devem abster-se de violá-los." (In: KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1986, p. 77).

Ibid. Ibidem.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2003. p. 106-107.
MORAES, Alexandre de apud SILVA, Renato Lopes Gomes da. Primeira pessoa – dignidade deve ser ponto de partida para interpretar o Direito. In: Consultor Jurídico, 29 mai 06. p. 3.
Como citar este arquivo:
OLIVEIRA, Marcel Thiago de. Cortadores de cana e o princípio da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2121, 22 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2009.